ARS POETICA 2U releva do conceito de que a alquimia das palavras é parte essencial da vida, sendo esta considerada como arte total.
Por isso se revê no projecto ARS INTEGRATA e é parte integrante do mesmo, procurando estar em sintonia com todos os que partilham do nosso modo aberto de conceber e fruir a arte.
Por isso é também 2U (leia-se, "to you", i.e. a arte da poesia para si).
Colabore com poemas, críticas, etc.
E-mail: arspoetica2u@gmail.com
Somos fiéis ao lema "Trás outro amigo também".

Convidamo-lo ainda a visualizar e a ouvir (basta clicar com o rato sobre as imagens) alguns dos poemas com música e interpretação por elementos do Ars Integrata Ensemble (vídeos disponíveis no final desta página), assim como a visitar a página do mesmo em http://arsintegrataensemble.blogspot.com/


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POEMARIUM : recipientis poeticus

POEMARIUM : recipientis poeticus

quarta-feira, 30 de abril de 2008

ARS POETICA (39): Haiku(s) V57 a V59, de Isabel Cristina


3 HAIKAI


V57

No fundo da noite
o ar é lento e doce
ritmam-se os gestos



V58

Na escuridão
ateiam-se as estrelas
de ternos abismos




V59


Em rubras auroras
enlaçam-se vagarosas
as cálidas sombras


Isabel Cristina /04.08

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segunda-feira, 28 de abril de 2008

ARS POETICA (38): Correio Poético (13): Memorabilia de Edite Gil


ÉTIMO DA MEMÓRIA



No étimo da memória
a reminiscência de sorrisos…
Declaro pobreza assumida na demência das mentes!
Traço traços, faço rabiscos, arrisco uns riscos paradoxos!
Finco os pés finos e fico
mirando o trote das árvores.
Visto-me de paisagem…
No alfobre,
nem botão nem flor seca…
Esqueci as cores da juventude
e a gravidez das estrelas…
As andorinhas engripadas não rumam para Sul!
Submirjo de beijos rubros de doçura
na cor travessa do sentimento!
Na agonia da ira do amor
quero a embriaguez de verdade!
Ordeno ao odor do crepúsculo coruscante, reluzente
a insânia insónia!
Estou tão perto de nada no dorso da calçada
presencio a canção das águas…
Afinal
só quero de volta a minha alma
e desenhar nostalgias desertas distraidamente excêntricas…


Edite Gil
2008.Abr.27

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quinta-feira, 24 de abril de 2008

ARS POETICA (37): Infusões (politicamente incorrectas) de Carlos Pedro


Ars poetica 2U revela em ante-estreia mundial um poema do novo livro de Carlos Pedro ("Capê") - Ó simpático, vai um tirinho? - que será simbolicamente lançado amanhã, dia 25 de Abril de 2008, pelas 18h30m, na histórica Biblioteca Operária Oeirense (na Rua Cândido dos Reis, junto ao edifício-sede da Câmara Municipal de Oeiras), com apresentação do Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa, Professor Doutor António Nóvoa.
A data escolhida para o evento não foi por acaso, já que na verdade trata-se de uma obra que certamente seria apreendida pela PIDE/DGS, se não tivesse havido a "Revolução dos Cravos", hoje extinta, excepto (por enquanto) no que à liberdade diz respeito. Mas se a hora não está para efusões, atentemos nestas...


INFUSÕES

Dizem que
do pó vim
dizem que
em pó
me tornarei
espero que
isso aconteça
que a boca
me arrefeça
já com muita
longa idade
numa cidade
longínqua
e que mãos
mui piedosas
me enviarão
para cá
com cuidado
cremado
numa lata de
chá ah! ah! ah!
ou de café
eh! eh! eh!
e numas
confusões
"alzheirmais"
me tomarão
regularmente
em infusões
só depois de
muito mijado
por fim
dormirei
descansado


in: Ó simpático, vai um tirinho? / Carlos Pedro. 2008

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segunda-feira, 21 de abril de 2008

ARS POETICA (36): A música das pedras


COISAS REVOLTAS / por Carlos Peres Feio


algumas coisas revoltam-se ao serem tocadas
e poucos saberão porquê.
revelam na atitude invisível
a agonia em que têm existido
obrigadas ao espectáculo dos humanos
face ao auditório dos inertes,
das pedras semipreciosas, preciosas e simples pedras,
as que amo.
como as compreendo,
incrédulas com este fim de século,
a lembrarem,
a desejarem
voltar aos tempos
antes de a história ser feita,
em que a ordem universal
a gravidade e o silêncio,
só eram vagamente acordados
pelo passar onírico
de um meteoro


In: Podiam ser mais / Carlos Peres Feio. – Carcavelos: Junta de Freguesia ; Cascais: Associação Cultural de Cascais, D.L. 2007


quinta-feira, 17 de abril de 2008

ARS POETICA (35): Requiem por Pedro Bandeira Freire

Na morte de um poeta...


Pedro Bandeira Freire, um poeta que andou nas bocas da canção popular (entre fados, guitarradas, e o vulgar cançonetismo...), mas que era e merecia mais do que isso (embora se compreenda que um poeta não possa viver só do ar...), libertou-se ontem das amarras que o prendiam ao corpo e partiu ontem para o convívio dos poetas que habitam os homéricos Campos Elísios.

Por acaso ou talvez não, foi também dono de um cinema (aliás 4 em 1, e daí a sua designação: o Quarteto) que marcou a minha geração e outras que vieram não apenas porque passou muitos dos melhores filmes projectados em Portugal, mas por se ter tornado quase um lugar de culto e de destino obrigatório de cinéfilos durante as três últimas décadas do século XX. Antes disso, fora co-fundador da Livraria Opinião, outro grande marco de gerações, local de passagem e permanência (para muitos, como eu, era quase uma segunda casa), espaço de tertúlia multidisciplinar e muito mais, que tendo resistido ao fascismo anquilosante não sobreviveu ao pós-25 de Abril de 1974 (para o qual tanto contribuiu), pois nessa altura "a poesia esta(va) na rua"!



Pedro, a musa que te inspirou por forma duradoura, quis nesta ocasião em que partes para outras paragens oferecer-te um Requiem que te rende pública homenagem e juntar-lhe um "rumor" da inspiração que transmitias. Ars Poetica 2U orgulha-se de ter sido escolhido como porta-voz.

David Zink



Requiem para Pedro Bandeira Freire



Na manhã da tua despedida o sol brilhou nas campaínhas e margaridas das escarpas citadinas. Depois foi-se retraindo até as nuvens emprenharem da dimensão da tua perda. Enquanto estavas em coma eu gostaria de ter tido um segundo a teu lado e pegar-te na mão e levar-te uma parcela do sol e perfumes do verão que a primavera cozinha. Aquele verão pelo qual aguardavas encerrado na tua casa sombria. Sombrio imagino o quarto do hospital onde teu coração exausto, na madrugada, se entregou. Mas eu sei, eu sei, que por dentro do azul de teus olhos reinava nesse momento todo o mar do mundo. E é por isso que aqui te deixo, pedro, estas palavras antigas.
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19 Agosto – 03 Setembro 1990

Fuzeta. O estender dúctil dos pantanos arenosos no voo picado das pequenas aves brancas como pedras lácteas em queda. Tojo, canas, detritos, tornozelos fulgindo conchas, constelações de mil patas delicadas na areia fina, luras, refúgios. Linguagens. Apreender as suas infinitas cambiantes..... Tu vens lá de fora do mundo com a tua linguagem dentro do idioma dele. E súbito sou assim tão nua e tensa a esses gritos, a esses sons que a mim chegam. Uma palavra é então um enorme polvo de mil tentáculos que se me enrodilha nas pernas. Tropeço, levanto-me, tropeço de novo e então estou assim tão cansada. Cansada da minha surdez, da minha inépcia diante da tua linguagem. Tu dizes lua, dizes árvore, dizes pedra. Tu dizes. Eu sei o que é uma lua, uma árvore, uma pedra. Não sei porém de que lua, árvore, pedra me falas tu. Fica então apenas o risco abstracto desses signos, sem substância, volume, cheiro. Fica apenas na grande folha branca de nossas vidas a palavra lua, árvore, pedra. Porém eu sei que a lua mesma pode ser árvore e a pedra que me falas lua. Mas como saber isso de ti, como arrancar-te desse teu hermético linguarejar? Pedro, diz-me que lua, que pedra é essa de que me contas. Não me abandones neste deserto de letras mudas. Pedro, eu não sei nada e não entro no teu universo que é o mundo. Há uma mata densa e escura e branca que me impede o caminho. Eu estou de mãos vazias e esgotada de investidas cegas e vãs no denso bosque. Do outro lado ouço o rumor do teu corpo. Tu gritas “ouves-me?” e eu respondo. Mas em verdade não te ouço, mas em verdade não te vejo e o rumor que me chega é apenas o som de meu respirar sufocado. Pedro, lá do local onde te encontras atira-me uma mão. Dá-me machados, cutelos, fogos, navalhas, roupas, risos. Faz com que eu seja tractor, ceifeira, debulhadora, serra eléctrica. Ajuda-me a ceifar este milheiral bravio de palavras. Faz com que eu abra caminhos até ao teu fresco solar pomar e diz-me depois o nome de cada fruto, cada folha, cada pedra. Pedro dá-me a comer as laranjas sumarentas do teu mundo

Kitó

terça-feira, 15 de abril de 2008

quarta-feira, 9 de abril de 2008

ARS POETICA (33): Haiku V56, de Isabel Cristina



Haiku


V56


Derretem em alvas
bocas, molhados p’la chuva
frutos d’alvoradas


Isabel Cristina
04.08

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segunda-feira, 7 de abril de 2008

ARS POETICA (32): Rossinianos gatos de Júlia Lello



A Dona


Ela cuida de ti como cuida dos gatos:
Entre duas espinhas, passa-te a mão pelo p’lo,
Vigiando-te os cios, previne os desacatos
E vai servindo os restos, com lúcido desvelo.

P´ra que a tua alforria todo o mundo constate
Deixa que mies alto, à noite, nos telhados
(contando que seja o tempo do repouso das gatas
E o gang dos caixotes actue noutros lados).

E, porque não há nada que tanto te deleite,
Consente que persigas os ratos nos esgotos.
Mas à porta, de sonsa, deixa-te o pires de leite,
E uma fôfa almofada onde enterres os osssos

Júlia Lello, 93

* Poema dito por Júlia Lello (extra-programa) com música original de David Zink, no espectáculo do Ars Integrata Ensemble - "Prima la musica, poi le parole?"- levado realizado no Palácio Foz em 6 de Abril de 2008 (v. programa completo em ARS MUSICA (39): Ars Integrata Ensemble ao vivo no Palácio Foz )


quinta-feira, 3 de abril de 2008

ARS POETICA (31): A ciência e a arte de Jorge Castro



Da Ciência e da Arte*



Grilhetas são as sombras nas paredes das grutas
E os medos fundem no meu corpo os rochedos e o chão

Esquecido de voar
Tenho de inventar asas para descobrir o Sol
E desfraldar as velas dos caminhos não cumpridos
Aí aperceberei o som único da minha voz
Encruzilhada de encontros feitos da ciência dos dias e da arte dos homens
Estarão aí os cumes das montanhas
Ou mesmo só as verdes planícies iluminadas
Onde te encontre

Porque só disso se trata
Por fim
O encontrar-te

Depois a arte fluirá
Nesse espaço todo feito de magias e imponderáveis
Em fugaz ou efémera eternidade
E a ciência dos dias encontrará o homem
E tudo estará no sítio certo
Nesse mar desesperadamente azul e imenso
Intranquilamente constante

E esses seremos nós

E nunca se terá visto alguma vez um mar tão grande.


- Jorge Castro
01 de Maio de 2003


* Poema inédito de Jorge Castro, musicado por David Zink para o espectáculo do Ars Integrata Ensemble no Palácio Foz (domingo, 6 de Abril de 2008, pelas 16h - v. programa completo em ARS MUSICA (39): Ars Integrata Ensemble ao vivo no Palácio Foz )

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quarta-feira, 2 de abril de 2008

ARS POETICA (30): Da poesia concertante de Júlia Lello



Acerca da essencial e discreta diferença*



Sur-presa das manhãs em que ‘inda me visitas
Acordo-as pressurosa. Solicita, penteio-as
Preparo-as para as galas.
Sentamo-nos então para melhor olhar-te,
Enquanto o tempo pára
E com simplicidade teu trono ocupas.
Diante a ti tecemos
Bordamos, recamando nossas preciosas telas
Perante o teu olhar longuínquo, intenso
O teu olhar perdido acutilante.
Desenleamos as meadas, dobamos
Com júbilo, celebrando a efeméride.
Porém, fugaz e lento, o tempo escoa-se:
Dás sinais de agitado.
E antes de ver-te ansioso
Despeço, lesta as companheiras
E acompanho-te à porta eu própria.
Sóbria, compondo os cabelos
Lançando fora os restos, esconjurando as memórias.
Sossego então. E pronta,
Dirijo-me, eficaz, ao dia que começa.

in: O Concerto ou: o triunfo da música (peça de teatro): seguido de nove poemas inéditos / Júlia Lello. Lisboa : Tema, 1999


* Poema musicado por David Zink para o espectáculo do Ars Integrata Ensemble no Palácio Foz (domingo, 6 de Abril de 2008, pelas 16h - v. programa completo em ARS MUSICA (39): Ars Integrata Ensemble ao vivo no Palácio Foz )

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terça-feira, 1 de abril de 2008

ARS POETICA (29): Voando com Jorge Castro



Canção de embalar*



Vês?
Se tu quiseres eu sou capaz de voar
Depois peço que me dês a tua mão
E virás comigo a todos os céus dos jardins por inventar
Veremos tudo o que fica para aquém dos nossos sonhos
E as pétalas das flores que nunca serão espezinhadas

Porque nós os dois sabemos bem desse mundo sem tempo e sem lugar
Desse espaço apenas apercebido na hora indecisa da madrugada
Em que os ogres adormecem e voltam a ser meninos
E as fadas cansadas demais para existirem
Se recolhem confundidas com as árvores da floresta

Haveremos de percorrer uma a uma cada estrela
Principalmente aquelas que ainda nunca vimos
E que guardam em si a luz que trazes no olhar

Estaremos na fúria dos mares e dos ventos
Seremos tão pequenos que ninguém saberá de nós
Tão imensos que caberá em nós todo o universo
E o nosso riso perturbará no firmamento a Via Láctea

Vês, filho
Como é tão grande e cheio de tudo este espaço em que podemos voar?

Voemos
Voemos agora que já vestiste o teu fato espacial da nave do sono
E eu me retiro devagarinho para não te acordar...



Jorge Castro
21 de Novembro de 2004


* Poema musicado por David Zink e coreografadJustificar completamenteo por Sofia Sylva, para os espectáculos do Ars Integrata Ensemble na Culturgest (31 Jan. 2007) e com nova coreografia da mesma bailarina no Palácio Foz (domingo, 6 de Abril de 2008, pelas 16h - v. programa completo em ARS MUSICA (39): Ars Integrata ao vivo no Palácio Foz )

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Da Ciência e da Arte / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)

Acerca da essencial e discreta diferença / Júlia Lello (poema) & David Zink (música)

Canção de embalar / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)

Falas de amor / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)