ARS POETICA 2U releva do conceito de que a alquimia das palavras é parte essencial da vida, sendo esta considerada como arte total.
Por isso se revê no projecto ARS INTEGRATA e é parte integrante do mesmo, procurando estar em sintonia com todos os que partilham do nosso modo aberto de conceber e fruir a arte.
Por isso é também 2U (leia-se, "to you", i.e. a arte da poesia para si).
Colabore com poemas, críticas, etc.
E-mail: arspoetica2u@gmail.com
Somos fiéis ao lema "Trás outro amigo também".

Convidamo-lo ainda a visualizar e a ouvir (basta clicar com o rato sobre as imagens) alguns dos poemas com música e interpretação por elementos do Ars Integrata Ensemble (vídeos disponíveis no final desta página), assim como a visitar a página do mesmo em http://arsintegrataensemble.blogspot.com/


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POEMARIUM : recipientis poeticus

POEMARIUM : recipientis poeticus

sábado, 24 de dezembro de 2011

ARS POETICA (86): A árvore de Natal, de Rui Zink e Wynton Marsalis


The enlightened boy, messenger of Peace / David Zink



Não dê…
Neste Natal

Não dê dinheiro a um pobre

Habitua-o mal

Não dê comida a um pobre

Habitua-o mal

Não dê de beber a um pore

Ele vai gastar tudo em vinho

Não dê guarida a um pobre

Ele gosta é mesmo de chão

Não dê livros a um pobre

Ele queima-os para se aquecer

Não dê carinho a um pobre

Ele estranha e fica nervoso

Não diga bom dia a um pobre

Dá-lhe falsas esperanças

Não dê saúde a um pobre

É uma despesa inútil

Se quer mesmo dar-lhe alguma coisa

[porque enfim está no espírito de natal

e você é uma alma piedosa]

Dê-lhe porrada.

Vai ver que ele gosta

É ao que ele está habituado

E os pobres já sabemos como é

os pobres (coitados) não são muito de mudança não.


Rui Zink
In: JL : jornal de letras, artes e ideias, Ano XXI, n.º 1075 (2011-12-14 a 27), “Contos de Natal”, 11



Oops! Mu.. dança não, mas talvez com o swing de Wynton Marsalis possa haver uma mudança de paradigma...







Christmas Jazz Jam
/ Wynton Marsalis

Ars Poetica 2U
wishes you a merry and fun Christmas!

domingo, 16 de outubro de 2011

ARS POETICA (85): "Há sempre uma nódoa no fato engomado da Democracia", um poema irónico de Júlia Lello


E assim termina o último e obrigatório livro de poemas de Júlia Lello:

Há sempre uma nódoa...

Há sempre uma nódoa no fato engomado da Democracia.
Esfrega-se e não sai, lava-se e não passa…
Em cada sistema bem organizado
Há sempre uma ideia inesperada
Que brota do nada
E desestabiliza.
Em cada país há sempre um reduto que não se conforma.
Em cada cultura há sempre o artista louco da mansarda.
Em cada família uma ovelha negra espreita inoportuna.
Nos países pobres, nos países ricos,
Nas melhores famílias, nos melhores ambientes,
Lá está um rebelde:
De onde é que ele surge?
Estava tudo certo se ele não surgisse:
Com tudo arrumado e tantos direitos,
Quem iria agora lembrar-se da fome
Dos que não se queixam?
- Mas não: surge sempre
Um estremecimento,
Uma inquietação,
Que perturba o mundo
E não se percebe
De onde é que surgiu.
Sempre alguns milhões
Milhares ou centenas, Não importa quantos,
Como insectos, chegam e invadem
Quando tudo parecia estar calmo.
Juntam-se, reclamam e fazem barulho
Que maça e não larga…
Vêm com ideias
E gestos e frases.
E indignam-se com muitas coisas
Que todos aceitam como naturais.
E não há maneira
De acabar com eles.
Pois quando se pensa
Que já se aquietaram
De todos os cantos
Surgem de repente…
Júlia Lello
In: Os Vivos e os Mortos. [Lisboa: ed.aut., 2011] (Digital XXI), pp. 44-45

Veja a crítica ao livro, in:
http://arslitteraria.blogspot.com/

domingo, 4 de setembro de 2011

ARS POETICA (84): No país dos sacanas - a radiografia de Jorge de Sena


Worldbeasts XXI / David Zink, 2011

NO PAÍS DOS SACANAS


Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos o são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas,
Não há mesmo melhor que uma sacanice
para fazer funcionar fraternamente
a humidade da próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já o é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país?
Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

10/10/73

Jorge de Sena
In: Sena, Jorge de – 40 anos de servidão, 2.ª ed. revista, Lisboa : Moraes Editores, 1982
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domingo, 13 de março de 2011

ARS POETICA (83): "Que parva que eu sou", um poema-hino para uma "geração à rasca"


Deolinda's "what a fool I am" (2011) / David Zink


QUE PARVA QUE EU SOU


Um poema-hino para uma "geração à rasca" - a de nós todos, novos e velhos, que parece despertar de uma longa letargia.


Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!

Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou!
Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar,
Que parva que eu sou!
E fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.
Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!
Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Pedro da Silva Martins / "Deolinda"

E a interpretação dos DEOLINDA...




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domingo, 30 de janeiro de 2011

ARS POETICA (82): A paixão nua de Sophia de Mello Breyner Andresen

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Apollo & Daphne's nude passion [2011] / (re)designed by David Zink


A semana que findou, ficou marcada pela entrega do espólio literário de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) à Biblioteca Nacional de Portugal. Foi um acto que honra os seus herdeiros, pois ao contrário do que muitas vezes sucede, tratou-se de uma doação não de uma venda, visando justamente a salvaguarda de um património inestimável à instituição oficial mais habilitada para o fazer e, simultaneamente, a sua disponibilização a todos os investigadores que se interessem pela sua obra.

A par deste acontecimento a 26 de Janeiro, assinalado com a pompa e circuntância elgarianas (ainda que sem a grandiloquente música do famoso compositor inglês), foi inaugurada na BNP uma exposição ilustrativa deste espólio, comissariada por Paula Morão e Teresa Amado, e realizou-se em boa-hora nos dois dias seguintes na Fundação Calouste Gulbenkian, um Colóquio Internacional sobre a poetisa e a sua obra.

Ars Poetica 2U
aplaude tais iniciativas e, para estimular o apetite pela leitura da sua obra, transcreve um dos seus poemas menos conhecidos, talvez o mais curto em número de palavras (como um Haiku japonês) mas carregado do sentido que norteou a sua vida poética.



A PAIXÃO NUA


____________A paixão nua e cega dos estios

____________Atravessou a minha vida como rios


Sophia de Mello Breyner Andresen
in: Antologia. Lisboa : Moraes Editores, 1875, p. 267


links:
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Da Ciência e da Arte / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)

Acerca da essencial e discreta diferença / Júlia Lello (poema) & David Zink (música)

Canção de embalar / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)

Falas de amor / Jorge Castro (poema) & David Zink (música)