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POEMARIUM : recipientis poeticus

POEMARIUM : recipientis poeticus

sábado, 13 de fevereiro de 2010

ARS POETICA (73): A Terra Fria, de David José Silva


A TERRA FRIA : 1.ª edição


Na próxima 5.ª feira, dia 18 de Fevereiro, pelas 21 horas no Espaço «Memória dos Exílios», no Estoril (sito na Avenida Marginal, a escassos 100 metros da estação de comboios do Estoril, no espaço da antiga estação dos Correios), pertencente à Câmara Municipal de Cascais, terá lugar o lançamento do livro A Terra Fria, de David José Silva, um jovem poeta promissor que ora se revela ao grande público. O evento será também uma Festa da Poesia, um Florilégio poético-musical (incluindo prelúdio, interlúdio e postludio instrumentais, leitura e "desgarradas"), a que Ars Poetica 2U se associa e estende o convite que lhe foi feito a todos os seus leitores. A entrada é livre.


Por deferência da editora, do autor e do prefaciador do livro, e para aguçar o apetite para a sessão que terá o contributo de diversos músicos, poetas e declamadores e se prevê animada, aqui transcrevemos com a devida vénia, em primeira mão, o prefácio e um dos poemas deste livro que supomos venha a esgotar num apíce a sua 1.ª edição.


The Cold Earth (2010) / David Zink
inspired by a Nasa photo ( in: http://visibleearth.nasa.gov/view_rec.php?id=787 )


Prefácio


Nas sessões das Noites com Poemas, na Biblioteca Municipal de Cascais, em São Domingos de Rana, de súbito, um moço ergue a voz e surpreende. E insiste em surpreender, sessão após sessão, com algo de imaterial a que apenas me ocorre chamar maturidade e consistência, características que – convenhamos, a bem da verdade –, nenhum dos «decanos», em que me incluo, esperaria.

O que se me depara, verdadeiramente, como extraordinário é a sua ousadia, mesmo perante a dúvida. Ainda o seu olhar introspectivo perscruta a direcção a seguir e já a primeira passada está, afoita, em curso. Poderá parecer aventura. Eu prefiro chamar-lhe determinação.

Há um olhar irónico inusitado, um aconselhamento sobre as coisas do mundo que a nossa presunção de experiência da vida, assim chamada, levaria a considerar prematura. E, no entanto, sabemos que uma absoluta experiência de vida pode decorrer entre as quatro paredes de um quarto, sem ter de se sujeitar a paradigmas temporais. Interessa apenas a capacidade, depois, para a traduzir em obra de arte que busque interlocutor.

É o caso. Um primeiro livro não tem idade para nascer, como fica aqui, uma vez mais, provado. Mas só nascerá ou fará sentido o seu nascimento se um olhar criativo souber parar nos momentos dos dias e reflectir cristalinamente dimensões para além do manto superficial.

Assim vou calcorreando esta Terra Fria, primeira obra de David José Silva. Ouvindo-o, alto e bom som, e parecendo-me bem claras as suas inquietações:

Fora isso, como animal que sou,
sirvo apenas para ser
e não só para acompanhar.

Se a «poesia é o mistério de todas as coisas» (Lorca), então David José Silva já descobriu como nela assentar o pó de estrelas de que intui ser feito. Congratulemo-nos, pois. Nasceu um poeta!

Jorge Castro
Janeiro de 2010
In: A Terra Fria. Lisboa : Apenas Livros, 2010, pp. 3-4



Rapsódia de Dag


I

O Gigante é dourado,
mas os aglomerados brancos fazem-no prateado.
Montanhas de fumo que tocam Apolo,
e ele sente cócegas (esconde-se).

Tal Narciso olha-se ao espelho cá em baixo.
Inferno Verde a fazer de moldura
quando o monstro de rocha
engole o Húmido Elemento.
Gigante de ferro e aço
tapa parte do quadro.

Grupos de carneiros pastam no pasto azul
e esses carneiros plúmbeos
ameaçam chorar nos telhados da existência.

Também eu
sou apenas pedaços do Homem que costumava ser:
quando olho os carneiros,
vejo sempre rostos de outrem
que outrora não eram de ninguém
e que hoje, estranhamente, me parecem alguém.


II

Ainda mal saiu do berço e já fuma cachimbo:
baforadas de fumo saem lentamente
deixando-lhe a face indistinta.
E eu só queria acordar para voltar a
ver o Gigante dourado.

Quando os vários braços do Disco
embatem no espelho de ondas,
forma-se um caminho, longe, áureo
que ilumina as perdidas gaivotas.
Os faróis ligam-se e os monstros aparecem.
Escadaria rosa leva-nos ao limite do Mundo
enquanto pequenas figuras-alvos o fazem a voar.
À medida que se desce, as tonalidades de azul
são mais obscuras.
De vez em quando uma figura de velas
cruza a Monotonia.

Língua arenosa, sequiosa por escurecer.
Melhor que um painel de azulejos
onde a tinta escorre devagarinho,
foi a experiência de vida daquele dia.

Se eu tivesse vivido nesses nichos,
diria que não éramos mais Homens,
que seríamos da terra das ordens
onde os bichos são mais bichos

e por não poder mais, então,
não queria ver para além da realidade.
Mesmo por mais sofrer e saudade,
seria sempre um boneco de latão.

Assim, não vejo para além do que varia.
Mas por toda a escuridão, sem verem
nada naquela calma melodia

nada fazem, apesar de poderem.
Mas que ilustre tarefa seria
livrar os bichos de o serem!


David José Silva
In: A Terra Fria. Lisboa : Apenas Livros, 2010, pp. 9-11
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