FRÁTRIA , OU A POESIA COM SENTIDO DE ALMA LUSA
Carlos Carranca, é uma voz de excepção das Baladas e do Fado de Coimbra, de que tivémos o privilégio de voltar a ouvir há poucos dias na última sessão das "Noites com Poemas". É também uma personalidade indomável que não se cansa de proclamar valores éticos em contra-corrente com a "moda" actual, contrapondo a um Portugal corrupto que se autodestrói a alma de um Portugal fraternal.
Na sua grande generosidade, autorizou-nos a mostrar-vos um pouco do seu último livro de poemas: "Frátria". Dele extraímos dois poemas (do seu ciclo "Mar do Inferno"), mas também vos mostramos excertos da importante introdução - intitulada "Pré-face" - em que o poeta (se) reflecte em torno de uma teoria e de uma praxis poética alimentadas pelo inconformismo que o caracteriza.
«
Pré-face
(…)
Mas nós somos sempre mais do que conhecemos e os nossos versos vão para além daquilo que sabemos, daquilo que escrevemos.
(…)
Toda a palavra sobre a Morte é do domínio do imaginário mas, como todo o imaginário, está cheia de conteúdo da Vida, sobretudo do que da Vida nos escapa. Ela procura uma resposta para a solidão ontológica radical, singular, condenada a sonhar o sonho, que é como quem diz, condenada à inconsistência do sonho.
(…)
É, pois, trágico para quem vive em constante procura da essência das coisas, assistir, impotente, à dura realidade de uma Pátria a afastar-se da essência e a perder-se na imitação e na vulgaridade utilitárias. Porque não há nada que mais nos degrade do que esta entrega à idolatria da técnica e do consumismo de massas, onde a preocupação dominante do negócio e a intensidade frenética da Vida aniquilam toda a inquietação espiritual.
Agitar, inquietar, libertar, essa foi, é e será a eterna missão da Poesia.
Interrogo-me, frequentes vezes se não estará a poesia mais próxima da magia do que da literatura. Ora, o Poeta não é um literato, é um mágico, sendo na missão transfiguradora da realidade que o poeta se cumpre, e não no acervo de obras consultadas ou na profusão de autores citados. Não é citando os criadores que o Poeta existe, é existindo que o Poeta é.
(…)»
In: Frátria. Coimbra : Mar da palavra, 2008, pp. 7-8
(excertos do ciclo)
A batida cardíaca
é o mar – este mar – a bater na minha vida.
Mar de cadência dorida
solidão líquida de sal.
Esta batida é o mal
da angústia demoníaca
a desfazer-se em poemas
princípio da própria vida
que a morte dá de saída.
In: Frátria. Coimbra : Mar da palavra, 2008, p. 19
Há tantos anos que passo pela vida
e nunca parei a olhá-la.
Aonde ia eu?
Corremos fugimos de nós
de nós
e o mar ali à minha espera
a arfar em harmonia.
A vida a respirar a vida.
In: Frátria. Coimbra : Mar da palavra, 2008, p. 23
-
Sem comentários:
Enviar um comentário