Abrimos o correio poético e recolhemos 2 POEMAS DE EDITE GIL:
O REINO DE AQUEM MAR
O Imperador reinava
No seu trono, irresoluto
Fazia mui jus ao voto
Tinha o poder absoluto.
No Parlamento de Algas,
Deste reino de Aquém mar,
Os prosódicos discursos
Eram canções de embalar.
No Ministério da Terra
Era tal a disfunção
Que p'ra evitar a guerra
Muda a cor, o Camarão.
Mas sem dizer a ninguém,
No mais íntimo segredo,
Dando ares de convicção
Sem reconhecer o medo.
E assim desgovernava
Este peixe, a nação
A impotência era muita,
Maior era a ambição.
Não havia um algodão,
No âmbito da saúde,
Que não tivesse controle
Muito, muito amiúde.
O Imperador reinava
No seu trono, irresoluto
E as finanças, controlava,
Acreditando ser arguto.
Na pesca em terra seca,
Muita água ele metia,
Deixava outro oceano
Pescar o que bem queria.
Administrando Aquém,
Com seu ar superior,
Fazia o que entendia
Passando-se por doutor.
Veste fato e põe gravata,
Com o seu ar expedito
P'ra que quem não o conheça
Creia ser um erudito.
A falta de economia,
Deste país bem a sério,
Continua a ser sinistra,
Continua a ser mistério.
Inda estou p'ra descobrir
Como o país vai avante.
Na escola da Tainha,
Ai, ai, ai que hilariante,
Bateram no Tamboril,
Que era então o Mestre-escola,
Notícia de rodapé
Só o qu'importa é a bola.
E assim vai este país,
De verdade irresoluta,
Com este Imperial
Um grande filho da Truta.
Edite Gil
2007.Abr.05
REVOLTA
Terá esta gente memória de peixe?
Reinará, a indiferença mundana acomodada?
Onde está a educação e a formação?
Assistiremos pávidos e serenos
ao apodrecimento da pureza já tão perdida?
A que móbil interior poderemos apelar,
quando, com uma precisão cirúrgica,
a amoralidade suplanta os bons costumes?
Seremos prisioneiros
dos silêncios eternos e inoportunos,
adormecendo ante o ribombar de problemas e emoções?
Rebelamo-nos demonstrando o descontentamento gélido
ou contemplamos apenas as exéquias da nossa história?
Edite Gil
2006.Jun.14
Edite Gil cultiva a cultura popular, reinventando-a como forma de a preservar, e vai tecendo aquilo que ora designaremos por "poemas andarilhos", ou seja, a arte de juntar palavras que se revê na tradição oral maltesa (como diria o poeta e romancista alentejano Manuel da Fonseca), contadora de estórias (i.é, das histórias de cariz popular), carregando-as com o sentido da crítica social e política ("a palavra é uma arma"), mordaz, irónica, ora filigranada, metafórica, ora abrupta com a jactância do improviso, mas nunca ao acaso - parte de uma reflexão pessoal para nos convidar também a nós a segui-la... aqui e agora!
v.t.: Registo vídeo de Edite Gil, interpretando o conto "Os velhos e a morte", no IX Encontro Palavras Andarilhas (Beja, 20-22 de Setembro, 2007), in: http://videos.sapo.pt/af9YaenTpP4RevJyhd54
1 comentário:
YaY Edite! Continua o bom trabalho! bjñ sfaia
Enviar um comentário