O preço das coisas
No antigo o homem era antes de tudo a sua tribo
e a tribo representava a pátria do homem
a família, o amparo e a despensa;
a propriedade era comum e eram comuns os filhos
os projectos, o trabalho e a colheita;
compartiam-se também
a íntima dor ou a profunda alegria
e o individual não se manifestava apenas
apenas florescia.
A tribo foi-se diluindo nos costumes
a bonança permitiu ao homem mostrar sua personalidade
o homem, separado dos outros, fez-se gente
e a gente descobriu, inventou, modificou
pôs preço às coisas.
Quando tirarem à gente o preço das coisas
chorará como se lhe arrebatassem as coisas
porque não sabe separar as coisas
do preço das coisas.
Quando tirarem à gente o preço das coisas
aninhar-se-ão no seu coração a dúvida e o receio,
pois a gente aprende na primeira infância
- saber sequestrador da inocência -
que antes ou depois
tudo lhe custa;
e se, em etiqueta fixada ou aderida,
não se mostra bem visível o preço
- escrito em caracteres claros
perto do número redondo -
costuma dever-se a que é muito alto.
Quando tirarem à gente o preço das coisas
e as coisas se mostrarem desnudas à gente
a gente não reconhecerá as coisas,
porque sabe que o preço é para as coisas
como a forma, a cor, o cheiro ou a textura
que devem ter todas as coisas.
Quando tirarem à gente o preço das coisas
ignorar-se-á a ordem que seguem as coisas
equivocar-se-á a hierarquia
e tudo será um caos
para a gente que ordena as coisas
pelo preço que têm as coisas.
Mas se queremos que a gente
modifique sua maneira de ver as coisas
e avalie atributos primordiais
como a beleza de linhas
a utilidade prática
o som do vento ao abraçar sua superfície
a suavidade do tacto
a natureza da substância originária,
devemos tirar o preço
que um dia se pôs às coisas.
Quando consigamos tirar o preço às coisas
-acontecimento histórico memorável-
do indivíduo isolado, da gente, surgirá o homem
coração animado de sístoles e diástoles.
Pedro Sevylla de Juana
Money, money (2009) / David Zink
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