RES POESIS : Poesia pela República!
No dia em que se comemora o I Centenário da I República Portuguesa, Ars Poetica 2U divulga poemas coevos que ilustram a forma como a poesia foi também um meio de expressão do combate pelos ideiais republicanos. Tal transcrição aqui e agora é feita por deferência de Isabel Lousada e David Zink, que no âmbito da sua investigação sobre a I República têm estado a preparar a publicação de um livro dedicado à poesia republicana, que se intitulará RES POESIS : a poesia pela República.
Seleccionámos, assim, para assinalar a data em apreço, e também como aperitivo para a leitura do mencionado estudo e colectânea, dois poemas publicados na imprensa periódica da época dedicados à bandeira nacional republicana, vermelha e verde, que veio substituir-se à azul e branca da Monarquia apeada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910. Ficam, para já, de lado os poemas «politicamente incorrectos», que trazem à liça velhas polémicas do ideário republicano, hoje ainda muito incómodas, e muitos outros que constarão do referido trabalho.
Venho em nome do povo, o único poeta
Que nesta hora d’amor tem de ser escutado,
Dizer-vos que ele quer a sua obra completa
E que ela o não será com nada do passado.
A bandeira qu’impôs e consagrou no dia
Mais heróico que teve a terra portuguesa,
Se a defendeu com fé, não lhe falta a harmonia,
Se a saudou com paixão, é cheia de beleza.
Cor do mar, é do mar que nos veio a centelha
Que tudo iluminou: pois que fique essa cor!
E derramou-se sangue e por isso é vermelha…
E assim vermelha e vede ela é toda amor.
Singela como nós, como uma espada nua,
Que o mundo inteiro a veja assim como ela está;
Os castelos que tem é onde ela flutua,
E as velhas chagas, sim! Cicatrizaram já.
Foi ontem que se deu a batalha d’Ourique,
Que um portentoso herói justificou com gloria:
O que agora está para trás nós não queremos que fique
Agora é que p’ra nós começa a nossa história.
Essa bandeira celta, árabe ou muçulmana
Derrubada de vez, arrasta-se no chão….
O que ela nos traduz em nada nos irmana;
E o trapo azul e branco é um livro ao menos? Não!
É preciso que tu, ó Pátria, te emancipes
Dos preconceitos vãos a que te tem presa;
Na bandeira não vejo um traço dos Felipes
Nem tão pouco também da invasão francesa.
Tudo o que é mau cortou-o a raça de que veio
A nossa e é assim que a gente tem de vê-la?
Hoje ninguém a ama, achamos tudo feio,
E é preciso queimá-la, inteiramente, a ela!
Não me venham dizer que na África inteira
O preto, antigo escrevo e hoje nosso irmão,
Não reconhecerá a sagrada bandeira
Que é símbolo viril da sua redenção.
Essa raça que vem calcando, há tanto, abrolhos
E entre lutas cruéis, sem uma hora calma,
Há-de a ver içar menos com os seus olhos
Que com a luz que tem dentro da sua alma!
É pois verde e vermelho o estandarte novo
Desta terra d’heróis, que beija as duas cores…
E, se alguém a trocar, é uma traição ao povo,
mas ela ficará, porque não há traidores.
Fausto Guedes Teixeira (1871-1940)
A BANDEIRA DA REVOLUÇÃO
Verde, verde, cor dos campos,
E das ondas a bramar…
Pátria de heróis pescadores
E de aldeãos a cavar…
Verde, cor das ânsias loucas
E da raiva a batalhar,
Depois calma, cor dos louros
Para as frontes coroar.
Verde vivo de esmeraldas,
Verde esperança, verde mar…
Esperanças de marinheiros
Não podiam naufragar
Cor virente das palmeiras
Das regiões de além-mar
Por onde andámos pionando,
Com rubra cruz a brilhar…
Cor vermelha: cor do fogo
Dos canhões a metralhar…
Cor vermelha: cor de sangue
Dos que morrem a lutar.
Escarlate dos crepúsculos
Mar e serra a iluminar,
Cor ardente que é saúde,
Que é a Vida a trabalhar.
Cor violenta dos incêndios,
Dos cravos a perfumar,
E da cruz dos enfermeiros
Os feridos a sarar…
Bicolor: verde e vermelha,
Bandeira ovante a ondular,
sagrou-te, a beijos de fogo,
a revolta a fumegar!
Paulino de Oliveira (1864-1914)
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